quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Diálogo entre filosofia e propaganda: um comentário


Este texto é um comentário/resposta às postagens Ética e publicidade e Continuando sobre a ética e a publicidade. Sugiro que dê uma olhada lá, antes de ler este texto.

Sobre a questão ética e moral dos anúncios publicitários tenho algumas pré-considerações sobre o assunto:
A publicidade, de maneira geral, como bem observado e analisado no texto do Décio Cagnin, utiliza-se de um discurso mais próximo ao emocional e mais distante do racional. Foi observado por meio de anos de estudo que a marca (símbolo criado por uma empresa para demonstrar clara e objetivamente seus produtos) carrega um significado muito mais emotivo, mais próximo ao sentimento e às sensações que o consumidor pode ter com determinado produto. Essa relação é acentuada em algumas propagandas. Um bom exemplo é a campanha de cartões de crédito que diz que tudo se pode comprar com dinheiro, menos alguns momentos específicos de felicidade, amor e ternura como a inspiração que um pai pode dar ao filho ao presentear-lhe com uma roupa de super-herói (que possui um preço, mas que o valor simbólico intrínseco ao produto é deveras mais elevado do que apenas os R$100,00 investidos para a fantasia). Essa relação preço vs valor simbólico está presente em praticamente todas as peças publicitárias hoje produzidas. Notemos o seguinte, porém: não há em nenhum momento a afirmação “dinheiro pode comprar felicidade”, essa ideia está sempre SUGERIDA¹. Então, a publicidade sugere, não afirma e também não força e não obriga. Ela fala o que uma empresa quer falar. A ética neste sentido é como se tivéssemos um anjo e um demônio em nossas cabeças que dão caminhos e ideias para fazermos, mas em nenhum momento nos obrigam nem tiram de nós o direito de decisão. Talvez esta seja a maior discussão que possamos ter neste campo da ética publicitária: a publicidade é a culpada por esses anúncios que demonstram mundos perfeitos, situações extremas de calma e tranquilidade... ou seria culpa de grandes empresas que “precisam” vender mais e mais seus produtos para que seu lucro aumente? Está aqui apresentada uma das maiores dicotomias éticas do campo da propaganda.

Não obstante, existe um órgão responsável pela regulamentação da propaganda no Brasil, que é o CONAR². Ele não tem o poder de retirar uma propaganda do ar, porém, suas recomendações são levadas muito em conta pelas agências de propaganda. Então, há no âmbito da moral, uma possibilidade real de se regularizar a produção publicitária de forma a proteger o consumidor que, por sua vez, possui canal aberto para sinalizar suas queixas ao CONAR. Isso demonstra que a ética publicitária não está "solta" no ar, mostra que ela é complexa.

Dessa maneira, não seria o caso de repensarmos a ética ensinada aos publicitários, uma vez que a propaganda é ferramenta de grandes empresas, não é mais fácil ajudar a construir profissionais com melhor senso ético? Ensinar aos jogadores que possuem o habitus e o ludus desse jogo melhores formas de vender produtos? Ajudar aqueles que realmente entendem este campo? 

Outro ponto de vista sobre essa questão da ética, é a formação dos cidadãos brasileiros que constantemente recebem mensagens culturais e midiáticas diariamente. Para tanto, o investimento na chamada “leitura crítica dos meios de comunicação”, investir na educação para, com e pelos meios de comunicação, tem se mostrado muito útil nesta questão. Existem muitos pensadores que abordam essa linha de pensamento - "recepção crítica de mensagens". Jesús Martín-Barbero é um desses pensadores, situado na segunda metade do século XX na América Latina, o tema de seus textos aborda a relação do povo entre a recepção das mensagens midiáticas e as maneiras pelas quais acontecem as mediações em diversos grupos sociais. Guillermo Orozco segue nessa ideia de Martín-Barbero e elabora pesquisas diversas para afirmar cada vez mais que todo ser humano é dotado de cognição e que é capaz de decodificar e de atribuir diferentes sentidos e significados aos textos produzidos pelos grandes veículos de comunicação. Demonstrando, então, que o consumidor possui um ponto de vista e que não é manipulado pela televisão. Discordando da teoria da agulha hipodérmica³ e corroborando com o argumento mais acima que diz que a publicidade possui o poder de sugerir, não de impor inquestionavelmente as ideias que as empresas desejam.

A educomunicação nasce como uma possibilidade de melhorar essa questão da formação ética, cidadã e crítica da população brasileira. Este novo campo une a prática pedagógica à utilização das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) em projetos especiais, além da questão da produção de comunicação por parte dos integrantes dos grupos. A práxis educomunicativa se baseia na criação de ecossistemas comunicativos, ambientes abertos ao diálogos, propensos à interação coletiva e à produção de comunicação, com o objetivo de garantir à todo cidadão a expressão pessoal e a criação de uma voz aos grupos menos ouvidos pela sociedade - nas palavras de Edgar Morin, os "incompreendidos". Estes projetos são exemplificados por jornais criados pelos alunos e participantes do projeto de educomunicação, vídeo-documentário, revistas, propagandas... enfim, tudo o que for produção coletiva de comunicação. Esse novo campo do conhecimento humano tem se expandindo e vem ganhando corpo e forma mais consistente ao receber apoio de leis municipais e estaduais que favorecem a criação de projetos de cunho educomunicativo nas escolas e por parte de ONGs.

Concluindo, talvez seja o momento de pensarmos, então, que sociedade nós queremos? Que sujeitos queremos que existam? Que tipo mercado nós queremos consumir? Que propagandas achamos que são ofensivas? E, de quais maneiras é possível resolver esta situação da construção ética publicitária? A educomunicação é uma possibilidade muito alta de sucesso, pois abre espaço para a conversa. Chama todos para o diálogo. Não só os publicitários, mas compreende a sociedade inteira, amplia o ecossistema comunicativo e os espaços de comunicação. Por ora, já são dois caminhos.


¹Para mais, ver: CHIACHIRI, Roberto. O poder sugestivo da publicidade: uma análise semiótica da Editora Cengage Learning.
²"Impedir que a publicidade enganosa ou abusiva cause constrangimento ao consumidor ou a empresas. Constituído por publicitários e profissionais de outras áreas, o CONAR é uma organização não-governamental que visa promover a liberdade de expressão publicitária e defender as prerrogativas constitucionais da propaganda comercial. Sua missão inclui principalmente o atendimento a denúncias de consumidores, autoridades, associados ou formuladas pelos integrantes da própria diretoria. As denúncias são julgadas pelo Conselho de Ética, com total e plena garantia de direito de defesa aos responsáveis pelo anúncio. Quando comprovada a procedência de uma denúncia, é sua responsabilidade recomendar alteração ou suspender a veiculação do anúncio. O CONAR não exerce censura prévia sobre peças publicitárias, já que se ocupa somente do que está sendo ou foi veiculado. Mantido pela contribuição das principais entidades da publicidade brasileira e seus filiados – anunciantes, agências e veículos –, tem sede na cidade de São Paulo e atua em todo o país. Foi fundado em 1980" disponível em: http://www.conar.org.br/. Acesso em: 11/01/2012.
³É uma teoria da comunicação que possui como metáfora a agulha hipodérmica que atravessa diversas superfícies e camadas sem encontrar nenhuma barreira ou algo que a impeça de continuar. Pensadores dessa teoria, imaginam que as mensagens midiáticas são compreendidas pelos sujeitos sem encontrar barreiras pelos indivíduos, ou seja, são manipulados pelos meios de comunicação. Isso se daria por conta do sujeito perder a identidade no meio da massa e, por estar perdido, a única verdade que possui é o que os grandes meios dizem para ele.